Quem sou eu

Alguém que prefere usar as palavras à usar as pessoas.

quarta-feira, julho 12, 2006

A louca

Caminhando apressadamente, tentando chegar ao trabalho no horário, após sair do banco e tentando enfiar todos os boletos e comprovantes na bolsa antes que caíssem, escuto uma voz sonora e alta bravejando à minhas costas:
_ O que adianta plantar e não regar?
Assustada, olho pra trás em busca de explicação para tamanha indignação que fizera quase todos os papéis voarem da minha mão. Deparo-me com uma senhora, que devia ter em torno de uns cinqüenta anos, trajando calça leg preta, camiseta branca, tênis, polchete na cintura e um bonezinho que deixava uns tufos de cabelo branco sobrando para cada lado. Era uma dessas que mesmo quando vestida comumente, parecia carregar uma etiqueta na testa dizendo: Sou de marca!
Voltei aos meus papéis ainda não imaginando que ela tinha falado comigo. Enquanto os juntava no chão, ela parou ao meu lado ignorando a minha indiferença e continuou bravejando:
_Onde já se viu plantar tantas flores, gastar tanto com mudinhas e não pagar ninguém para regar as plantinhas! É obvio que elas vão morrer! Acho que o prefeito ganha comissão da empresa de mudas.
_Você não acha um absurdo? Perguntou ela num repente, me incluindo no diálogo que até então, parecia ser mais dela com ela mesma.
Sorri de volta e disse que concordava. Realmente plantar, não cuidar, esperar morrer, arrancar e plantar novamente, não era muito inteligente. Falei e comecei a andar, afinal os últimos minutos do meu horário de almoço já tinham se ido pegando boletos no chão. Mas ao que fui andando, ela continuou ao meu lado, me acompanhando e ainda reclamando da burrice do prefeito. Passado o momento de fúria, e não sei dizer o porquê, ela começou a me falar da vida, dos quatros filhos maravilhosos que ela tem, da burrice grande que é o casamento para ela, e de quão inconformada ela ficava em ver moças jovens que querem se casar. Vez ou outra, ela me incluía no diálogo perguntando coisas como; você é casada? E eu, mal movia os lábios para responder, ela continuava falando, como se a minha presença ali fosse desnecessária, porém aproveitável. Eu também não fazia questão de responder. Estava sendo interessante ouvir aquela senhora que tinha surgido do nada e de repente já estava ao meu lado falando da vida, do ex-marido, do seu tempo de professora e de sua vida sem ao menos ter perguntado meu nome, ou tentar saber quem eu era.
Foi quando eu me dei conta justamente disso que comecei a pensar que ela não batia muito bem. E nesse mesmo instante, como se ela adivinhasse o que eu estava pensando, ela se justificou.
_ Eu não sou louca, querida!
Eu olhei bem para ela naquele momento, com um misto de susto e vergonha, pois apesar de não ter pronunciado uma palavra a respeito, ela sabia exatamente o que eu estava pensando. E ela continuou se justificando:
_ Eu apenas desbundei na vida. Sabe querida, no fundo, todo mundo quer desbundar, mas ninguém tem coragem. Desbundar é um sonho, mais não é regra, e todo mundo que foge das regras é chamado de louco. Se eu sou louca, tudo bem. Eu devo ser a primeira louca que educou quatro filhos e foi professora até se aposentar, que viajava todas as férias com os quatros filhos do lado e se divertia com eles. Pensando bem, eu nem me importo de ser louca. Sou uma louca aposentada, com quatro filhos criados, desbundada e feliz!
_ Mas olha filha, escuta o conselho desta velha. Não acredite em ninguém, não espere por ninguém para seguir quando você quiser. Apenas siga com quem por acaso estiver ao seu lado e não pare nem se prenda se amanhã já não tiver ninguém.
Neste ponto da conversa ela parou, olhou pra frente e para o lado e perguntou olhando para mim.
_ Eu preciso pegar o meu exame ali no hospital. Por onde eu vou?
O hospital a que ela se referia, estava praticamente ao nosso lado. Seria necessário apenas atravessar a rua e não entendi o motivo da dúvida. Mas quando fui começar a dizer que era só atravessar a rua, ela já me interrompeu:
_ Vou por aqui! Disse, apontando pra sua frente um caminho que teria que dar uma volta enorme para chegar no mesmo hospital, e antes que eu dissesse qualquer coisa e de novo adivinhando que eu não havia entendido, ela já me explicou:
_ Este caminho é mais longo, mas é bem mais bonito.
_ E afinal... Pra que ter pressa?

Um comentário :

Anônimo disse...

por que será q todas suas histórias tem cara de contos? não é pq é mentira não.. q nada...se fosse por isso não seria conto tb...,mas pq tem cara de conto...sabe..histórias curtinhas...bem humoradas...quase comédia da vida privada...com sentido e até moral da história...faz refletir e rir tb...além de trazer aquelas contradições da vida...não q essa seja a definição de conto...longe disso...mas q parece parece(o texto com conto)...