Quem sou eu

Alguém que prefere usar as palavras à usar as pessoas.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Dias normais

Acordara na hora para o trabalho.
Deveria isso ser o normal, mas não era.
Saiu a tempo e caminhando tranquilamente. Nenhum tropeção, nenhum salto enfiado nos entremeios dos paralelepípedos, nenhum lapso, nenhuma recomendação para se acordar mais cedo da vizinha intrometida.
Sentou no veículo bocejante. Não que estivesse com sono, apenas a boca que se abria pelo velho hábito prazeroso de bocejar e olhou ao redor sem se ater a qualquer daquelas pessoas que seguiam para o mesmo lugar diariamente. Largou-se no banco, cabeça a trepidar junto a janela, olhos fechados, mente vagueando sem maiores finalidades.
Lembrou de outras manhãs, dos dias que acordava atrasada e despenteada, do motorista parando o ônibus para esperá-la enquanto corria tropeçando em sua própria calça e atrasando o horário de todo mundo e sentiu-se especial.
Esboçou um sorriso de canto, desses que intrigam quem está ao redor e instiga questionamentos curiosos como o "o que será que ela está pensando?".
Lembrou da companhia antes certa da sua amiga e dos segredos partilhados as sete da matina naquele ônibus abarrotado de gente, o que tornava os segredos mais inescrupulosos totalmente públicos e sentiu que no fundo era proposital. Que era um afago ao ego ver a expressão de espanto dos moralistas que abriam a boca a cada capítulo chocante, mas faziam questão de manter o silêncio e não poucas vezes caiam na gargalhada denunciando a própria fraqueza de ouvir o diálogo alheio.
Alguém aperta a campainha pedindo parada e trazendo-a de volta a realidade.
Percebe a realidade vazia e não consegue pensar mais em nada. Agora são apenas os olhos que perambulam entre o trânsito confuso, o stress do motorista que se esforça para não amassar o motoqueiro que vai a frente e as pessoas que se atropelam como se competissem para chegar antes à porta.
Ficou um tempo ainda curtindo aquela música aleatória, por sinal, ensurdecedora.
Era só o começo de um dia normal.
Esses dias que não somam nada, que não serão lembrados nem daqui a uma semana, tão pouco daqui a uns quinze anos.
E mais do que a saudade dos outros dias, voltou a pensar, como eram fúteis aqueles dias...

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